quarta-feira, 7 de março de 2012

OS BRUTOS TAMBÉM AMAM - SERGIO VAZ


Os Brutos também amam - Sérgio Vaz
(Mô, saudades).
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Era um domingo de inverno, há quase trinta anos, quando eu conheci o amor pela primeira vez. O amor chegou em mim da forma mais discreta possível, apesar do baticum do meu coração.
Enquanto dançava com os olhos fechados e o peito aberto, desfilava pelo baile – sem sair do lugar - carregando nos braços aquela que seria a lembrança mais feliz da minha vida: o primeiro amor.
Não recordo bem se era Marvin Gaye (let’s get it on) ou Bee Gees (Reaching out) que rolava nas pick ups, só consigo me lembrar de estar ali, com os lábios ansiosos pelo fogo, implorando a deus que aquele momento nunca acabasse. Coisas do tipo: “Deus por favor... faça o tempo parar...”.Se alguém um dia se encontrar com deus, pergunte a ele, ele vai confirmar.
Eu ainda não a tinha beijado. Pelo menos não pessoalmente, mas em sonho...
Enquanto a música brincava de ser feliz às minhas custas, fui me deixando levar cantando baixinho o refrão no seu ouvido: “letis guere riron...”. Putz, se não sei inglês hoje, imagine com quinze anos, coitada.
A adolescência tem cheiro de almíscar, sei disso porque esse era o perfume que ela usava, e durante muito tempo esse perfume permaneceu na minha memória. Tirando o cheiro da terra depois da chuva, almíscar tem cheiro de "pra sempre".
Sentindo o aroma da vida fui lentamente virando meu rosto para o encontro daquela boca linda. Boca que sempre mencionava o meu nome da forma mais poética do mundo. Havia pensado naquele dia há semanas, mais precisamente, quinze anos.
Nunca vou esquecer esse beijo.
Primeiro porque foi o meu primeiro beijo pra valer, e segundo, porque quase quebrei o sorriso dela. A beijei por uma tarde inteira com todas as bocas que tinha o meu pequeno coraçãozinho de menino apaixonado.Beijei-a com todos os meus cincos sentidos, e quase fiquei sem os sentidos por conta disso. Quase que morro no meu primeiro dia de vida. Beijei-a com quem agradece por estar vivo.
No anos setenta, época mais brava da ditadura no Brasil, eu estava ali, com a cara cheia de espinhas exercitando a minha revolução: o primeiro amor.
Resolvi escrever sobre isso porque acabo de receber o convite de casamento de dois grandes amigos. E como sou testemunha desse amor quer lembrá-los que por mais belo que seja a lembrança do primeiro beijo ou do primeiro amor, nada, absolutamente nada, é mais importante que o último.
Todo dia é pra sempre.
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*do livro "Literatura, pão e poesia" Global Editora

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