domingo, 24 de junho de 2012

TEXTO INÉDITO - ANTES QUE SEJA TARDE



ANTES QUE SEJA TARDE - SERGIO VAZ

Se não fosse tão covarde acho que o mundo seria um lugar melhor pra viver. 
Não que o mundo dependa só de mim para ser melhor, mas se o medo não fosse constante ajudaria as milhares de pessoas que agem pelo mundo como centelhas tentando criar uma labareda que incendiasse de entusiasmo a humanidade. Mas o que vejo refletido no espelho é um homem abatido diante das atrocidades que afetam as pessoas menos favorecidas.
Porque se tivesse coragem não aceitaria as crianças passarem fome, frio e abandono nas calçadas, essas que parecem fantasmas, nos assustam nos semáforos com armas na mão, nos pedem esmolas amontoadas em escolas que não ensinam, e por mais que elas chorem, somos imunes a essas lágrimas.
Você acha que se realmente tivesse coragem aceitaria uma pessoa subjugar a outra apenas pela cor da sua pele? Do seu cabelo? Um poema é quase nada disso tudo.
Sou um covarde diante da violência contra a mulher, da violência do homem contra o homem que só no Brasil são 50000 deles  arrancados à bala do nosso pacífico planeta. Que dizer da violência contra os homossexuais que são apedrejados nas calçadas das avenida elegantes?
E se tivesse mais fé na minha humanidade de maneira alguma aceitaria que um Deus fosse melhor que o outro, mas sou tão covarde que nem religião  tenho, e minhas mãos que não rezam, já que estão abertas, poderiam ajudar a construir um templo onde caberiam todas elas, mas eu que não tenho fé nem em mim mesmo sou incapaz de produzir esse milagre. De repartir o pão.
E porque os índios estão tão longe da minha aldeia e suas flechas não atingem meus olhos nem meu coração, não me importo que lhe tirem suas terras, sua alma, seus rios, e analfabeto de solidariedade não sei ler sinais de fumaça, eles fazendo guerra eu fumando o cachimbo da paz. Se tivesse um nome indígena seria cachorro medroso.
Se fosse o tal ser humano forte que alardeio por aí, não concordaria em aceitar famílias inteiras sem onde morar, vagando em busca de terra, ou morando em barracos de madeiras indignas pendurada nos morros, ou na beira de córregos. Não nasci na favela, mas ,eu coração é de madeira, fraco.
A lei condena um homem comum que rouba outro homem comum e o enterra na masmorra moderna, mas nada faz contra aquele político corruto que rouba milhares de pessoas apenas com uma caneta, ou duas, e que de quatro em quatro anos a gente aperta-lhes a mão, quando na verdade devíamos cuspir-lhes na cara. E eu como um juiz sem martelo não faço nada além de condená-lo ao meu não voto. É pouco, já que sei onde eles se entocam. A lei é cega, mas acho que lhe fizeram transplante de órgãos numa dessas votações secretas.
Assisto a falência da educação e o massacre contra os professores e sei que muitas vezes o resultado de ensino de qualidade mínima é presídio de segurança máxima, fico em silêncio quando a multidão desinformada pede redução da maioridade penal, porém, mal ela sabe que se não educarmos nossas crianças vão ter que prendê-las com 16 anos, depois 14, depois 12, depois, não teremos mais crianças nas ruas. E elas, as ruas, serão tão seguras que a gente vai sentir falta das crianças. Época em que os brinquedos serão visitados nos museus.
Estão cortando as árvores, cortand as árvore, cortan a árvore, cort árv, co á... madeiraaaaa! E aceito a cara-de-pau dos donos das serras elétricas e sei que o machado está nas minhas mãos. Depois fico abraçando o lago poluído quando na verdade deveria estar mergulhado nele, assim como os peixes mortos.
Pagos os meus impostos e sei que eles não fazem nada com eles, ainda assim faço propaganda da minha consciência tranquila. Desconfio que é essa tal consciência tranquila que está acabando com o mundo.
Calado assisto a falsa democracia deste país  ilegal, sem alvará de funcionamento e sem licença pra ser pátria, e me emociono com o hino nacional cantado antes do jogo da seleção canarinho.
Perdoe-me por apenas ser poeta, e ter apenas poemas como arma, ainda que ninguém me diga, sei que isso é muito pouco, quase nada. O sangue que pulsa na veia tinha que estar nos olhos.
O Mundo gosta das pessoas neutras, mas só respeita as que tem atitude. Se não posso mudar o mundo deveria a mudar a mim mesmo.
Acho que é isso que vou fazer agora.
Antes que seja tarde.













4 comentários:

  1. poeta, lindo texto, mas devo discordar completamente: você se encontra no lado oposto da covardia. infelizmente, nossa coragem e luta não é capaz de curar todas as mazelas do mundo, mas vc com certeza é um dos poucos que como Mauro Mateus dos Santos não faz a sua parte pela metade, mas por inteiro, de corpo e alma.

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  2. É por essas e outras que admiração cresce ao mesmo tempo que me empurra pra vida onde vejo que nada sei, mas que, me impulsiona a sempre ouvir e ver através de palavras que como essas despertam para um ser humano que em construção tenta habitar em mim. O peso de cada parte dói por que nela vem a covardia de não reagir o que sabemos estar errado. Vou nessa também, antes que seja tarde! Mas ainda assim, acredito que tu é uma pessoa de coragem, força e exemplo! Lindo texto! Viviane de Paula

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  3. Muito lindo e tocante o texto!!! Vejo nele um Sérgio Vaz despido de hipocrisia e repensando seu papel na sociedade, o que me faz também epensar o meu: até quando vou seguir sob o signo da covardia? Vale para cada um de nós essa reflexão, vale para cada um de nós a poesia!!! Hoje, compartilho de tua inquietação!!! Shiloh, poeta!!!

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  4. Sem palavras cara!! Arregaçando SEMPRE!!

    parabens...mais coragem a TODOS nós

    http://www.luismacedo.com/

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