.
.
BORA TODO MUNDO?
.
A escritora Cíntia Moscovich comenta a estreia em ficção da jornalista Eliane Brum
Em 11 anos de Zero Hora e nos 10 anos como repórter especial da revista Época, Eliane Brum tornou-se conhecida por revestir sua linguagem com toques francamente afetivos – desobediência a uma das caras bases do jornalismo e, ao mesmo tempo, condição indispensável à literatura. Em Uma Duas, Eliane chega a um grau de excelência formal que supera eventuais tensões entre gêneros: seu primeiro livro de ficção é um soco na boca do estômago. Sem, no entanto, deixar de ser belo.
A dupla central do romance é formada por uma velha, Maria Lúcia, que rechaça qualquer manifestação de afeto de sua filha, Laura, uma jornalista que abre talhos no corpo para aliviar a dor de uma ligação promíscua e violenta com a própria mãe. Valendo-se de três vozes narrativas, cada qual identificada por uma fonte de letra (o que, afora a impressão em laranja do miolo do livro, causa o estranhamento inicial), Eliane dá feição a essas duas mulheres – e às variantes de ficção e metaficção que as duas escrevem –, além de recorrer a um narrador em terceira pessoa, que acompanha e comenta as ações.
Dependentes uma do sofrimento da outra, peças móveis num jogo de espelhos que ambas manipulam, mãe e filha protagonizam um enredo impactante, conduzido com uma linguagem que, embora cedendo à necessidade da escatologia, raras vezes perde a elegância ou a força. Valendo-se de um sentido de realidade que chega ao exaspero e de um talento para a crueza desabrida, sem nenhum interesse para conceder o que quer que seja, Eliane fala das solidões e de uma espécie de desesperança com os vínculos humanos, inclusive com os que deveriam ser os mais nobres e incondicionais.
Gaúcha nascida em 1966 em Ijuí, hoje colunista do site da Época e cronista do site Vida Breve, com quase 50 prêmios jornalísticos conquistados e três livros de não-ficção no currículo (Coluna Prestes: O Avesso da Lenda, A Vida que Ninguém Vê e Olho da Rua – Uma Repórter em Busca da Literatura da Vida Real), Eliane sempre buscou contato com o comum das pessoas. Extraindo do horror cotidiano sua matéria, a autora faz com que suas personagens, por mais vis que pareçam, se agarrem à vida.
A dupla central do romance é formada por uma velha, Maria Lúcia, que rechaça qualquer manifestação de afeto de sua filha, Laura, uma jornalista que abre talhos no corpo para aliviar a dor de uma ligação promíscua e violenta com a própria mãe. Valendo-se de três vozes narrativas, cada qual identificada por uma fonte de letra (o que, afora a impressão em laranja do miolo do livro, causa o estranhamento inicial), Eliane dá feição a essas duas mulheres – e às variantes de ficção e metaficção que as duas escrevem –, além de recorrer a um narrador em terceira pessoa, que acompanha e comenta as ações.
Dependentes uma do sofrimento da outra, peças móveis num jogo de espelhos que ambas manipulam, mãe e filha protagonizam um enredo impactante, conduzido com uma linguagem que, embora cedendo à necessidade da escatologia, raras vezes perde a elegância ou a força. Valendo-se de um sentido de realidade que chega ao exaspero e de um talento para a crueza desabrida, sem nenhum interesse para conceder o que quer que seja, Eliane fala das solidões e de uma espécie de desesperança com os vínculos humanos, inclusive com os que deveriam ser os mais nobres e incondicionais.
Gaúcha nascida em 1966 em Ijuí, hoje colunista do site da Época e cronista do site Vida Breve, com quase 50 prêmios jornalísticos conquistados e três livros de não-ficção no currículo (Coluna Prestes: O Avesso da Lenda, A Vida que Ninguém Vê e Olho da Rua – Uma Repórter em Busca da Literatura da Vida Real), Eliane sempre buscou contato com o comum das pessoas. Extraindo do horror cotidiano sua matéria, a autora faz com que suas personagens, por mais vis que pareçam, se agarrem à vida.
Uma cena é emblemática, a epifânica revelação em que Laura leva a mãe para o hospital e, ao cruzar o jardim do prédio, vê o movimento da rua, as mulheres a passear com seus cãezinhos. Escreve a autora: “E nem naquele momento o cachorro deixa de fazer cocô. É isso, afinal, a vida. Só ao morrer descobrimos que essas cenas e esses dias patéticos são grandiosos. E que há poesia mesmo no cachorro que caga”.
Incômoda e fascinante, a prosa de Eliane reafirma as condições de mãe e de filha e, mais do que qualquer outra coisa, testemunha o nascimento maduro de uma grande ficcionista.
Incômoda e fascinante, a prosa de Eliane reafirma as condições de mãe e de filha e, mais do que qualquer outra coisa, testemunha o nascimento maduro de uma grande ficcionista.
CÍNTIA MOSCOVICH* *ESCRITORA E JORNALISTA, AUTORA DE “DUAS IGUAIS”
Eliane Brum
ResponderExcluirGrande Mulher, tem a energia do povo !sempre entre nos e ela sabe o que fala ....
da vida que ninguém vê ; parabéns ...
salve , salve
cocão vp