quarta-feira, 16 de junho de 2010

SOBRE KICHUTES E CHUTEIRAS

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foto: João Wainer
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Sobre Kichutes e chuteiras - Sérgio Vaz
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Em outubro é o mês em que se comemora o mês das crianças, depois do natal, esse é o dia mais aguardado para qualquer menino ou menina, pois, teoricamente é uma data para receber presentes.
Sinceramente não tenho boas lembranças desses dias, na minha casa a roupa sempre foi muito mais importante do que brinquedo, por isso, desde cedo aprendi a brincar só com meus botões.
Sem carrinho pra dirigir, ou bola para chutar, cheguei de kichute na adolescência, com os pés cheios de lama e lágrimas no coração.
Um tempo muito difícil de entender que existia um dia só para as crianças, mas ao mesmo tempo, só para algumas delas. Quem será que ensinou aos adultos a serem tão cruéis? Somente um adulto é capaz de ensinar uma criancinha a ter raiva e inveja ao mesmo tempo.
Raiva porque as ruas nesses dias eram tomadas de cores e luzes da felicidade alheia, e inveja por que toda essa luminosidade não brilhava em todos os quintais.
De mãos vazias, também aprendi a ter raiva do Playcenter e do Papai Noel. Bom velhinho, sei...
No caso das meninas fico pensando que também não devia ser diferente. Consegue imaginar acalentar a boneca da vizinha que ganhou presente, e chamá-la de sua filha ao mesmo tempo? De onde eu vim eram as bonecas que adotavam as princesas sem castelos.
Brincar de babá aos seis deve doer tanto quanto ser motorista sem carrinho aos sete anos de idade. Sorrir com a alegria emprestada... É muito sério ser criança.
Descobri com os pés sem meias que somos o país do futebol porque uma única bola -não importa de quem seja-, é capaz de fazer a alegria de um bairro inteiro, e nessa hora não importa quem ganhou presente ou não.
Para quem não sabe o futebol também é um esconderijo de crianças tristes e solitárias. Descalços ou não,uns chutam a bola, outros, a vida.
Não estou fazendo propaganda de loja ou supermercado, nem sei se as pessoas se tornam melhores porque na infância ganharam brinquedos ou não, só quis lembrar um tempo em que o algodão não era tão doce, e que a vida entrava de canela, apesar da magia e da fragilidade dos ossos da infância.
Se vão presentear seus filhos, para que não se tornem poetas tristes como eu, não esqueçam: as crianças gostam que os pais venham como acessórios. Ou quem sabe, o contrário.
Hoje em dia, "os pais" que não sabem brincar, abandonam filhos no lixo ou atiram pelas janelas, e se ninguém fizer nada, haverá um tempo que a gente não se lembrará mais da falta dos brinquedos, e sim das crianças.
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Um comentário:

  1. Salve Sérgio Vaz, gostei muito da crônica! É interessante e trágico como estamos (sociedade) perdendo o pouco de sensibilidade e senso de humanidade que é inerente ao Ser humano. Em que estamos (seres humanos) nos transformando? Tremendo Asè irmão, e parabéns!

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