terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

A FINA FLOR DA MALANDRAGEM (texto inédito)

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A fina flor da malandragem
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Duzão é piloto, e o que da fuga à essa malandragem. Na madrugada, a bordo de um Mercedes, dirige certos por vias tortas.
Aninha já passou o ferro em várias madames, dizem por aí que pra mais de vinte.
Cabeção tem olhar de rapina e um iceberg no coração, quando entra no banco já vai direto no caixa.
Colorau não age na quebrada, gosta de fazer mansão.
Lu ganha a vida distribuindo suas ideias através de um pó branco comprimido, a molecada fica alucinada. Nada contra quem mexe, mas ela nunca meteu a mão no pó dos outros.
Vavá não pode ver carro parado que leva, se não der na chave leva nas costas.
Lourival mete o cano desde criança, o pai se virava no alicate, e nunca teve medo de cerca elétrica.
Como teve problemas de berço, Mariana pega o filho dos outros e devolve por uma quantia mínima.
Julião põe medo em muita gente, também pudera, já enterrou vários com uma pá na mão.
Salete limpou a casa de Sonia, quem deu a fita foi a Rose, que se bobear limpa até as casas dos parentes.
Marcio resgatou Sales da cadeia, e saiu do presídio pela porta da frente, ninguém fez nada.
Elizabeth quase não ri, é uma espécie de gerente da boca, na rua dizem que ela é a patroa.
Nego Jan vende tudo que pega: relógio, TV, DVD, Eletrodomésticos em geral, carro, moto, corrente de ouro, roupa de marca, e demais mercadorias. Sua lábia é mais afiada que lâmina de gigolô.
Zóio tem problemas com a injustiça e está no semiaberto, passa o dia na oficina e a noite dorme no 3º andar. Quando pode, Guida e preto Will, parceiros de caminhada, o visitam no domingo.
Luciana não tem medo de sangue, já ajudou a cortar vários desconhecidos, muitos cagam de medo de morrer na mão dela.
Wilsinho não tem medo de nada, já passou o revólver até no carro da polícia.
As pessoas acima são suspeitas de ter a coragem de trabalhar, e enfrentar o dia a dia com a dignidade que só o sofrimento ensina, e por mais simples que sejam, nunca se evadiram da responsabilidade de lutar.

A malandragem fica por conta de quem lê.


36 comentários:

  1. Vaz!!!O "malandro mor"

    Que conhece como ninguém a VERDADEIRA identidade de cada um de nós!

    Você consegue ser INÉDITO todos os dias!

    Abraço.

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  2. No texto estão descritos verdadeiros criminosos; porém, há certa malandragem que não tem nada a ver com crime, pois não lesa nem mata ninguém. É a malandragem do dia a dia do povo trabalhador, esse que dribla seus problemas com boa dose de cerveja, praia e música.

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  3. Sergio o "cabeça" da turma que comanda a malandragem ... faz reuniões as quartas feiras, onde passa a verdadeira realidade aos malandros, tendo o privilégio de mostrar à eles que a poesia pode transformar os pensamentos, ações e sentimentos...
    Parabéns pelo brilhante pensamento...!!!

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  4. bom demais o texto! paulada!
    já dizia aquele som do Fluxo..
    "se vira como pode, artesão da própria sorte"

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  5. Essa formação de quadrilha não tira do convívio e nem precisa pagar "gravata" pra defender do artigo.
    É a formação de quadrilha do progresso, que enxerga todos como seres humanos e é pelo humano, pela pessoa. Transforma a visão das pessoas que são "atacadas" por essa bandidagem, elas se tornam mais gente, mais sadias.
    Ser humano precioso que puxa o "bonde" do progresso na "disciplina de cadeia".

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  6. Acho que "A fina flor da malandragem" um nome excelente pro seu próximo livro! né não?
    R. Canto

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  7. É uma sensibilidade madura e que sensibiliza. E, não sei ao certo o motivo, mas me lembrou de outro poeta:

    "Nesta vida, morrer não é difícil.
    O difícil é a vida e seu ofício."

    parabéns pelo texto, que você continue sempre forte nesse ofício de viver poesia!

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  8. Sem palavras!

    Surpreendente e criativo até o último!

    Parabéns!

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  9. muito bom o texto
    "talento nato"

    by: @soguinel

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  10. Como já disse Sábato Magaldi sobre o dramaturgo Plínio Marcos, é como uma fatia quente retirada de um cenário original. Pessoas que estão na luta, submetidas à condição que vivem, ao "entre-lugar" que pertencem nessa nossa sociedade hegemônica, que reividicam o direito ao grito, que batalham pela sobrevivência. Lutam por espaço, por voz e por vez. Maginalizadas. Subalternas.
    Ótimo texto! Representação de sensibilidade social.

    Carin Louro.

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  11. Maravilhoso, Mestre!
    Aí eu vejo o cotidiano de um motorista de ônibus, uma passadeira de roupas, um office-boy, um pedreiro, uma professora, um catador de sucata, um encanador, uma babá, um coveiro, uma faxineira, um agente penitenciário, uma dona de casa, um vendedor de objetos usados, um mecânico, uma enfermeira e um funileiro...
    Muito bom mesmo!

    Sérgio Vaz é isso: uma nova surpresa a cada ponto, vírgula ou reticências...

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  12. Loko hein titio!
    "A malandeagem fica por conta dos olhos de quem lê"
    Mais uma imortal!

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  13. Me lembrei bastante daquele texto ridículo que o Luciano Hulk lançou na Folha quando roubaram o Rolex dele.
    Todo cheio de avaliações moral, ele viu muita maladragem e crucificou o ladrão.
    Mas o tapa de luva de pelica veio logo em seguida com o texto genial de Ferréz.
    Vcs lembram disso?

    Achei os textos aqui nesse site: http://www.desenvolvimentistas.com.br/desempregozero/2007/10/luciano-huck-versus-ferrez/

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  14. Caralho, eu me arrepiei muito no final do texto. Está de parabéns.

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  15. Fazia tempo não via algo tão surpreendente. Manja filme que a gente vê de novo, de trás pra frente e continua boquiaberta? É mais ou menos isso...

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  16. Massa Vaz! Tiro certeiro, como sempre e a qualidade da bala cada vez melhor (se é que isso é possível...)
    beijão e saudades de uma ida ao Sarau, prá rever esses amigos tod@s e tú também.
    beijo no coração,
    natale

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  17. Quanto menos gravata tem o malandro menos vive na malandragem e somente este malandro sem-gravata do Sérgio pra descrever esta vida tão bem quanto neste texto

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  18. "Lourival mete o cano desde criança" - hahahahaha!
    Vaz... malandro nato!

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  19. Lembra ontem!!, tem gente normal!!e tem gente que não que não é normal!!, só os que não é, tem essa clareza!!, vai segurando!!!muito boa!

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  20. Salve, meu poeta! Só quem conhece a fundo nossa realidade tem o poder de dançar com as palavras impondo o ritmo que quiser a elas.
    Eu, que trabalho com o pó de giz comprimido e tento fazer a alegria da criançada, gostaria de pedir sua autorização para usar o poema em uma das minhas aulas. É possível?
    Grande Beijo
    Canela

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  21. É preciso mais que malandragem para entender um malandro e .

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  22. Só quem já esteve dentro do beco-sem-saída sabe como a malandragem é sedutora. Ela, muitas vezes, é a parada final do oprimido. O derradeiro passo. Complicado.

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  23. Muito bom!

    Em uma sociedade entupida de esteriótipos, vale sempre lembrar que a malandragem está nos olhos de quem vê. Milhões de brasileiros sendo vítimas das vistas grossas de um pequeno grupo que controla a informação, dita conceitos, forma opiniões, aliena e assim marginaliza, excluí.

    Parabéns Sérgio!

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  24. Defendo que grande parte dos "marginais" são, na verdade, marginalizados. A malandragem está nos olhos de quem lê e a crueldade, nas mão de quem detém o poder

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  25. Beleza, Sérgio. Crueza, Sérgio.

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  26. "A malandeagem fica por conta dos olhos de quem lê"
    como sempre quebro tdddddd !!!! mestre...

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  27. Que texto precioso.Muitos são os que não veêm, muitos são os que não percebem, e nem imagina qual é cartada para enfrentar seu dia-a-dia. Ser malandro... enfrentar o sofrimento árduo do trabalho, manter a alegria suando na pele, aceitando o que consegue com a luz que amanhece todos os dias, sem permitir a tristeza do olhar alheio!

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  28. Sem palavras mestre!!!
    Incrivel, obrigado pela inspiração sempre!!!

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  29. E Sérgio Vaz o vira-lata da poesia muda a cara da periferia todas as quartas feiras e por onde passa sacudindo palavras,chaqualhando idéias e incomudando multidões.Me identifiquei no texto,no tráfico de idéias.Obrigada por me incluir nesta gangue, conte comigo.

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  30. Simplesmente Maravilhoso!
    Parabens pela sensibilidade, pela poesia e os textos sempre!!!

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  31. sem palavras... quem vê pensa né?
    não canso de dizer...feliz por fazer parte!

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  32. Mano, eu só percebi do que realmente se tratava no fim do texto, aí fui ler tudo de novo e tudo ganhou um novo sentido.

    parabens pela escrita ai

    Abrç

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  33. "Mas o malandro pra valer, não espalha, aposentou a navalha, tem mulher e filho, e tralha, e tal. Dizem as más línguas que ele até trabalha, mora lá longe e chacoalha num trem da central" Chico Buarque.

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  34. Amei tanto que levei aos meus alunos...que também curtiram...e assim espalhamos a malandragem pelo mundo...

    Parabéns!

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