domingo, 15 de janeiro de 2012

ORAÇÃO DE UM VIRA-LATA - SERGIO VAZ



ORAÇÃO DE UM VIRA-LATA – SERGIO VAZ

Descobri que tudo que sou, e o que não sou devo à poesia. Por isso quando escrevo é um dos momentos mais sagrado para mim.
Nem sempre as palavras navegam nas águas claras e turvas do cérebro, e muitas vezes é preciso mergulhar nas águas profundas do coração, por isso, é muito comum poetas morrerem afogados para que outras pessoas respirem melhor. Escrever dói.
E já que vai doer, gosto de escrever ouvindo música. A Palavra cantada.
O mais louco é que quando escrevo não sou eu quem pede a música, é o poema.
Talvez você não saiba, mas os poemas tem gostos variados. Um dia quer Tim Maia noutro Marvin Gaye, Ettha James, Luiz Gonzaga, Sabotage, Bolero de Ravel, Rap, Samba, MPB, rock, Blues, e por aí vai. Depende do dia, depende do poema.
Como diria uma música do grupo Versão popular: a rua inspira.
Tenho quase certeza que deuses falam através da música. Tem música que é pra se ouvir de joelhos, em silêncio e com as mãos espalmadas. Tem música pra se dançar como o diabo gosta.
Gosto de ouvir música com os dois ouvidos, sem preconceitos. Esse negócio de aquilo que a gente não curte, não presta, está por fora. Música boa é aquela que a gente gosta.
Era só o que faltava, não gostar de pessoas somente pela música que ela ouve. Esses humanos...
O Poder da música é algo transcendental.
Outro dia estava ouvindo a música "Wake up everybody" (acordem pessoal) de John Legend e Roosts" ainda me faz acreditar no ser humano, no sonho de um mundo mais justo e melhor.

Há dias que a ouço, como um mantra antes de sair pras batalhas das ruas, antes de enfrentar os leões que nos espreitam nas dificuldades do cotidiano, nas vielas das incertezas e na cruz da mediocridade que nos assombra.

Esta música tem sido a minha bíblia, meu alcorão e meu torá, isso, é claro, sem desrespeitar a religião de ninguém. Devemos respeitar a crença das pessoas e respeitar aquelas que não tem religião alguma. Deus sabe o que faz, não é isso?

Bom, digo isso porque há muito tempo não sou sintonizado em algo tão sagrado e honesto. Porque muitas vezes ter juízo, é a prova de já se está no final.

Aliás, falando em religião, queria aproveitar pra dizer que sigo um Deus chamado "Amor" e é só pra ele que ajoelho, que rezo. E este Deus que habita meu coração, só me ilumina quando amo outras pessoas, quando amo o que faço. E ele só se manifesta quando as mentiras que conto pra mim não afeta o coração de outras pessoas.

E que o Deus que mora em mim, não deixa que seja escravizado, nem que escravize, porque a palavra liberdade está contida em todos os versículos dos meus dias. Para recitá-la em forma poema, não em sermão de montanhas inacessíveis, mas no riso que aquece a poesia do povo que tem fé no amanhã.

O Deus todo poderoso chamado Amor faz com que o sal de minhas lágrimas transforme-se em calos nas mãos, para que nunca esqueça que nada cai do céu, e que minhas derrotas e vitórias também nascem dele, e que o medo de lutar é um inferno com mil areias movediças em que o covarde se atola.

O Amor que está em mim e você, não sabe o que faz, por isso muitas vezes é crucificado, por isso não deve ser seguido. Quem ama erra.

Não sei se há vida após a morte, nem quero saber, quero estar vivo aqui, agora, e quando se lê um poema ou ouve-se uma música que te afeta, é como se vivesse mil vidas numa só.
O amor ao próximo é a única religião em que se admite fanáticos.
Quem segue o Amor sabe que o milagre não está na vida, mas na coragem de viver.

Quem acredita no amor reencarna todos os dias no paraíso.

Amém.






quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

MORAL

Povo lindo, povo inteligente,

ó só que moral, o Antônio Abujamra recitando o Manifesto da Antropofagia Periférica.

Se ainda não ouviu...

SV


NAQUELE TEMPO QUE ERA BOM - CRÔNICA INÉDITA







foto extraída do : http://cpcmbm.blogspot.com/


NAQUELE TEMPO QUE ERA BOM - SERGIO VAZ




Muitas vezes quando estamos numa roda de conversa, principalmente se as pessoas tiverem mais de trinta anos, pinta um "aquele tempo que era bom".


É. É um tal de era bom isso, era bom aquilo, que até parece papo de quem ficou em coma durante 20 anos. Sabe aquele filme "Adeus Lenin", é isso.


Não concordo, bom é o agora. Pode ser que até uma coisa aqui ou outra ali, mas naquele tempo não era bom, nem pra mim, nem para os que moravam na zona sul . Aliás, a periferia dos anos 70/80 foram um dos piores anos em nossas vidas.


Não que hoje seja uma maravilha, ainda estamos nos anos 80 em relação ao serviços prestados pelo governo, com educação de boa qualidade, saúde e segurança, ainda se vê pessoas morando em barracos de madeiras, porém, não sei de onde vem essa nostalgia do passado.


Pra começar, vivíamos numa ditadura militar e nós da periferia sequer sabíamos disso, tamanho nível de desinformação. Mal sabíamos que éramos brasileiros.


A Água era de poço e a maioria das brigas entre irmãos era pra ver que pilotava o Sarilho. Os menos pobres tinha bomba de água Rymel, que levava o líquido suspeito até a caixa. Faltava energia elétrica quase todo dia.


As ruas não tinham asfalto, e por consequência disso não passava caminhão de lixo nem caminhão de gás. Tá bom pra você?


Quando chovia os trabalhadores levavam os sapatos embrulhados num saco e desciam as ladeiras descalços e quando chegavam na Piraporinha (bairro central da região) para pegar o ônibus, lavavam os pés e os colocavam para não chegar envergonhados na empresa com o pisante sujo de lama. Tinha garoto que ganhava gorjeta lavando os pés das pessoas.


Na escola éramos obrigados a cantar o hino às segundas e sextas-feiras, antes do início das aulas. Os professores batiam na gente, a merenda era ovo e banana. Pátria amada idolatrada, sei.


E escola só tinha até a 8ª Série, o colegial, só em Santo Amaro e ainda tinha que passar por um vestibulinho.


Lembro que no primário a gente tomava Vermífugo, um remédio para combater lombriga, e que muita criança tinha medo de fazer necessidades com medo dessa anaconda que vivia em nossa barrigas inchadas.


Naquele tempo curso superior era o SENAI que era mais disputado que uma vaga na USP. Ser ferramenteiro ou torneiro mecânico equivalia a ser médico, e sem desprezar qualquer uma das três profissões. Nos anos 80 o desemprego era monstro, inflação, os Menudos, etc..


De tão longe, quando a gente ia ao centro dizia que ia na cidade. Sobre a violência podia passar dias falando, sobre amigos mortos então...


Teve um final de semana nos anos 80 que na grande São Paulo morreram 52 pessoas de morte matada, como se dizia na época. Tempo em que a Zona Sul ganhou o apelido carinhoso de Vietnã do Brasil.


Os temidos pés-de-pato imperavam nos bairros aterrorizando comunidades inteiras com chacinas que mancharam de sangue a história da periferia paulistana. Uma vez teve uma em que morreram 12 pessoas de uma só vez. Um delírio para o finado jornal Notícias populares.


Muitos jovens e amigos estão enterrados no cemitérioa do Jardim São Luiz, que deve ter a maior quantidade de chumbo debaixo da terra deste país. Parece papo de fantasma, mas sabia que naquele tempo bandidos assaltavam velórios? É pra se assustar mesmo.


Só o transporte continua igual como era antigamente, ou talvez, até pior. Falando nisso, quando a gente ia aos bailes blacks que se espalhavam na cidade, umas das poucas coisas boas daquela época, a gente ficava horas de madrugada esperando o negreiro, ou, o último ônibus, que vinha lotado como os navios que mancharam a história do país.


Quem tinha bicicleta, os afortunados, emprestavam-na para um bairro inteiro, e já passamos várias vezes sem jogar futebol porque simplesmente ninguém tinha uma bola pra jogar. Uma mísera bola.


Os pais adoravam dizer não, talvez por medo dos filhos virarem bandidos, mas desconfio que era por ruindade mesmo. Os pais sofriam tanto que não gostavam de ver os filhos sorrirem. Alguns conversavam sobre a vida com uma cinta na mão e com tapas na cara.


Se uma menina fosse pega fazendo "bobagem" com um cara, ficava marcada como galinha, e se não desse para quem descobrisse, ele contava pra todo mundo, se ficasse grávida então...


Na TV as mesmas porcarias, tirando o BBB, o que tem hoje tinha antigamente, só que naquele tempo era à válvula. Sabe qual a diferença? Além de demorar pra ligar, se a gente assistisse o dia inteiro quando o pai chegava do trabalho colocava a mão na TV, se tivesse quente... A gente apanhava em 3D.


Sim, sei que tinha as brincadeiras de rua, bolinha de gude, beijo, abraço e aperto de mão, mas não eram tempos incríveis. Eram dias difíceis.


Sei que o vinil era da hora, mas ter todas as músicas que você gosta, e não são poucas, dentro de um Pen Drive, ter seu próprio telefone dentro do bolso em vez de ficar numa fila de um orelhão com a mão cheio de fichas pra falar com alguém, parece até que a gente veio do passado para o futuro.


A única coisa que não devia mudar são os valores, isso devia ser eterno.


Quer saber mesmo o que era bom naquele tempo?


É que a gente era criança, e quando se é criança "aquele tempo era bom" em qualquer lugar.


Quando digo sobre isso não estou falando para apagar o passado ou escrever o futuro, estou pedindo pra viver o presente.


A melhor época é aquela que se vive intensamente.










segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

PORÉM





PORÉM - Sérgio Vaz

Queria ter vivido melhor,
Porém a mediocridade sempre me foi farta e generosa
Nos caminhos que escolhi para viver.

Queria ter sido mais alegre,
Porém a tristeza sempre foi companheira fiel
Nos dias intermináveis de abandono.

Queria ter amado mais as pessoas que conheci
Ou que fingi conhecer,
Porém na maioria das vezes, eu também não me conhecia.

Queria ter andado mais livre,
Porém, algemado à ignorância, perdi muito tempo
Tentando voar sem sequer saber andar.

Queria ter lido mais livros,
Porém, analfabeto de ousadia, passei muitos anos
Enxergando pelos olhos adormecido de outras pessoas.

Também queria ter escritos mais poemas
Do que bilhetes pedindo desculpas,
Porém, as palavras sempre me vieram como culpa
E não como estrelas.

Queria ter roubado mais beijos e abraços
Das meninas que andavam desprotegidas,
Protegidas pela magia da infância,
Porém, cresci muito cedo, e a timidez sempre me foi
Uma lei muito severa a ser cumprida.

Queria ter pensado menos no futuro,
Porém, o passado simples nunca foi o melhor presente
E a eternidade sempre me pareceu coisa de gente que tem preguiça de viver.

Queria ter sido um homem mais humilde
Porém, a vaidade e a ganância sempre me cercaram
De mimos e coisas que até hoje não sei para que serviram.

Queria ter pregado mais a paz,
Porém, como um covarde, gastei muita munição tentando atingir amigos e
desconhecidos que não usavam coletes à prova de balas nem blindados no
coração.

Queria ter sido mais forte,
Porém rir dos vencidos e bajular os mais ricos
Sempre me pareceu o caminho mais curto
Para o esconderijo secreto das minhas fraquezas.

Queria ter dito mais a verdade,
Porém a mentira sempre foi moeda de troca
Para comprar o respeito e a admiração das pessoas fúteis
De almas vazias.

Queria que o mundo fosse mais justo
Porém, avarento de nascença, fui o primeiro a esconder o sol na palma da
mão, antes que o vizinho o fizesse.

E mesquinho por vocação escondi as noites com lua
Para que os poetas não a cortejassem.

Queria ter dito mais besteiras,
Porém fui desses idiotas amantes das proparoxítonas
E sujeito oculto nos bate-papos de botecos de esquinas,
Onde a vida não acontece por decreto.

Queria ter colhido mais flores,
Porém o medo de espinhos afugentou a primavera.

E outono que sempre fui,
plantei inverno quando a terra pedia verão.

Hoje queria ter acordado mais cedo,
Porém temo que pra mim
Seja tarde demais.


*do livro colecionador de pedras "Global editora"

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

LUVA DE PELICA

foto: nina fideles




Luva de pelica - Sergio Vaz

Sou um alvo fácil para os meus inimigos
Assino poeta, não só quando escrevo, mas quando vivo
escrevo coisas no papel que na boca viram guizo
olhos fracos e na boca sempre um sorriso.

Sou um alvo fácil para meus inimigos
moleque do vento de coração atrevido
ando nas ruas como se fossem de vidro
chego no inferno feito anjo sem juízo.

Sou um alvo fácil para meus inimigos
de manhã acordo num céu sem abrigo
carente de abraços e punhos imprecisos
trilho sem saber odiar, o amor improviso.

Sou um alvo fácil para meus inimigos
mesmo com uma tristeza que não manda aviso
estou sempre nu vestido com cara de paraíso,
só que a linha do rosto tem cerol com mármore moído.

Sou um alvo fácil para meus inimigos
tenho asas nas pernas e raíz no umbigo
braços largos eum peito cheio de amor indeciso
faço tudo errado e não sei onde piso.

Sou um alvo fácil para meus inimigos
não sei para onde vou e pareço preciso
se multiplico não somo, somos, eu diviso
quando sua lama afunda, me chama, eu deslizo.

Sou um alvo fácil para meus inimigos
invejo a vida não quem vive o vivido
na cara dura passo dias duros e saio liso
porque sou burro, se não quero, empaco, persigo.


Sou um alvo fácil para meus inimigos
hemorrágico sangue bom A negoativo
verborrágico sutil sem os dentes do siso
não engulo sapos apesar do queixo de vidro.

Sou um alvo fácil para meus inimigos
o novo bate, sou fóssil, mas não me esquivo
dócil tenho medo da chuva não do perigo
se cospem raios, no ócio, tomo suco de granizo.

Sou um alvo fácil para meus inimigos
quando a traição é posto na mesa, regugirto e mastigo
e ainda que desenterre sua alma para o meu cavar meu jazigo
ando leve feito pluma no chumbo em que vivo.

Sou um alvo fácil para meus inimigos
se não me acertam, na certa te digo:
ando livre e o mundo é meu abrigo
presos a mim, se arrastam,
me seguir é quase um castigo.

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

ABRE-TE, SÉSAMO!




Abre-te, Sésamo! - Sergio Vaz



Vivi a infância num lugar muito longe do centro de São Paulo, um lugar abandonado pelas letras dos poetas, amado por jornalistas de páginas policiais, aliás, longe do centro de tudo. E para piorar, no silêncio da timidez, longe até de mim mesmo.

Mas que ninguém duvide, longe nem sempre quer dizer triste. Triste nem sempre quer dizer longe.

Um tempo em que pensava que o planeta se chamava Terra porque as ruas não tinham asfalto e as ladeiras pareciam nuvens deslizando sobre os nossos pés.

Dias coloridos para crianças que não imaginavam o futuro em preto e branco.

Quando me alistei na escola (sim, escola naquela época da ditadura tinha ares de quartel) uma outra paixão além das ruas se apossou do coração, a cartilha "Caminho suave", o livro sagrado dos dias sem milagres.

Lembro-me das letras do alfabeto brincando de esconde-esconde, e eu de pega-pega, e as palavras disbicando como pipa diante dos meus olhos, e aprender a ler foi ficando tão mágico como jogar bolinha de gude depois do café da tarde.

Não me recordo da primeira palavra que aprendi a escrever no caderno, se um dia lembrar quero tatuá-la no peito, para que nunca esqueça que amar de verdade, se aprende brincando. Aprender a ler só não foi melhor do que meu primeiro beijo.

Com o tempo, aprender a ler me ensinou a enxergar -que por incrível que pareça são duas coisas diferentes. É como comprar água no mercado e tomar água da fonte.É. Porque apesar da vida dura e simples que insistia em bater em nossas portas, havia uma riqueza muito maior do que pé-de-moleque, tubaína, gibi, maria mole, pão com mortadela, no meu quintal: Livros.

Um pai que trabalhava como um escravo para sustentar os filhos mantinha uma sala repleta de livros, que lia sempre, para que a vida não doesse tanto.

Nesse tempo, Speed Racer e meu pai eram os únicos heróis que faziam sentido pra mim.

Seguíamos assim, feito poemas do poeta Pablo Neruda: o destino nos maltratando e a literatura como merthiolate curando nossos feridas. A Bela dormecida e Ali Babá sabem do que estou falando.

E os dias seguiram assim, como um conto de fadas repleto de lobo maus. Eu, João sem Maria, como um gato sem botas, só quis assoprar minhas lembranças.

Morando num lugar esquecido pelo mundo descobri que o centro da cidade ficava na minha rua, e que o mundo todo cabia em minhas mãos quando abria um livro.

Como já disse, não lembro a primeira palavra que aprendi a escrever, mas gostaria que fosse:

"Abre-te-sésamo!"



O FUTEBOL FICOU MENOS POÉTICO





LITERATURA MARGINAL - por Jéssica Balbino



Literatura Marginal O ano da consolidação da atual cena contemporânea no país

Por Jéssica Balbino

Efervescência. Gosto dessa palavra e acredito que ela serve para resumir a atual cena literária no país. Os escritores contemporâneos somos nós, que, oriundos das periferias, criamos espaços próprios, diálogos próprios e improváveis e estamos escrevendo, de próprio punho, a nossa história. Foi em 2011 que este cenário completou sua primeira década de solidez no Brasil, com o aniversário de 10 anos do Sarau da Cooperifa, comemorado com a 4ª Mostra Cultural, em mais de duas semanas de atividades por toda periferia paulistana. Além disso, realizou várias atividades já no calendário do sarau, como o Ajoelhaço, o Poesia no Ar e a Chuva de Livros (http://youtu.be/9YVM84PZEN0?hd=1) , bem como as tradicionais sessões de cinema na laje.


Foi também o ano em que Alessandro Buzo entrou em seu 11º ano de carreira e lançou – pasmem – cinco livros, por editoras, de maneira independente e mais, solidificou o espaço da periferia no centro de São Paulo, com a última ação do ano, o Festival Suburbano Convicto, que realizou sete lançamentos numa única noite e apresentou ao mundo velhos e novos escritores, numa antologia “Poetas do Sarau Suburbano Convicto – Ritmo e Poesia” e mais, abriu espaço, democraticamente, a escritores como Emerson Alcalde, que começou no teatro e somente em 2011 lançou duas obras “(A) Massa” e “O Boneco do Marcinho”.

Aconteceu nesta noite também o anúncio: o Sarau Suburbano Convicto passa a ser semanal. Toda terça-feira. E fica a pergunta: existe público para isso?Talvez faltem saraus para tanta vontade de frequentá-los. Somente na capital paulista há pelo menos 40 saraus acontecendo em periferias. Todos eles com seus públicos crescentes, descobertas de novos autores, publicações de antologias, como a novidade do Coletivo Perifatividade, que publicou autores conhecidos e desconhecidos numa antologia, com o subtítulo: sarau – música – opinião – leitura.

E é assim mesmo, em verdadeiros quilombos que o público se forma, produz, analisa, debate, se conscientiza e parte, com a caneta, o caderno e os livros nas mãos. A guerra já foi declarada e parafraseando Alessandro Buzo “pensavam que não sabíamos ler e estamos escrevendo livros”. Somente na Cooperifa, mais de 30 livros foram lançados em 2011. No Sarau Suburbano Convicto, pelo menos um a cada mês.

Sem falar dos lançamentos não registrados em todos os outros saraus que acontecem Brasil afora. A invasão da literatura marginal em festivais literários também foi latente. Tivemos representantes na Flip em Paraty e no Flipoços em Poços de Caldas. Um deles, com o lançamento de dois livros. Sacolinha, veterano da literatura, arriscando-se para novos públicos com o “Peripécias da minha infância” e levando ao mundo o “Estação Terminal”.

Festivais feitos do povo para o povo também aconteceram, como o 1º Festival de Literatura Marginal da Praia Grande, no Sarau das Ostras. Que deixou a grande São Paulo e migrou para a baixada santista. No Distrito Federal o sarau Samambaia também cresce. Indo mais além, a produção literária também invade outros locais, como o Rio de Janeiro, com o livro “Da favela para as favelas” do repper Fiell.

No município de Cravinhos, o escritor André Ebner toca o projeto “Biblioteca na Calçada” e forma pequenos leitores, atendendo o público infantil e adolescente. Por falar em arriscar, a inovação, talento e qualidade literária de Rodrigo Ciríaco não pode passar despercebida em 2011 com o lançamento do “100 mágoas”. Prefaciado por Marcelino Freire, que circula entre saraus e debate literatura marginal com sua acidez peculiar, o livro de Ciríaco conquista pelo cuidado, pelo preparo, pelo conceito que emite ruidosamente logo no título e mais, o conto de mesmo nome, interpretado por ele na Cooperifa (http://youtu.be/GBvTnGjY8k4) e musicado no projeto Marginaliaria (http://youtu.be/wwZ_pCjm-mI) .

Do campo da música para as letras impressas, Renan Inquérito também inovou e fechou o ano com uma turnê literária para o lançamento do projeto #PoucasPalavras, que inclui um livro de bolso com poesias concretas, ilustrações do graffiteiro Mundano, fotografias de Márcio Salata e ainda um videoclipe, dirigido por Vras77, que homenageia os escritores da literatura contemporânea (http://youtu.be/m7jjltFXAaI) passando por vários locais como interior de São Paulo, Brasília e até mesmo a Assembleia Legislativa de Santa Catarina.

O veterano José Sarmento também fez historia em 2011. Escritor há muito tempo, encontrou espaço nos saraus da periferia o que faltava para divulgar sua literatura e com o livro “Bixiga – um cortiço dos infernos” conquista a crítica. Escreve muito bem.

Por fim, em 2011, o anúncio do lançamento do “O Hip-Hop está morto” de Toni C., traz ao cenário ficção, reflexão e mais um capítulo escrito no grande livro que surgiu no Bronx nos anos 1970 e segue até hoje tentando ocupar espaço com seus elementos e entre eles, do que tratamos aqui: conhecimento.

No entanto, a dica de 2011 para 2012 fica para o universo feminino, que ainda precisa de expansão e crescimento neste cenário. Temos a escritora e jornalista Elizandra Souza, num belíssimo trabalho, além de outras mulheres que surgem em antologias e a poetiza Nina Silva, ao lado de Akins Kintê no livro “InCorPoros”, e Tiely Queen, com seu blog de poesias, mas, quem sabe a meta para 2012 sejam mais mulheres escritoras no nosso universo da literatura marginal. E ocupando as prateleiras de livrarias como Saraiva, Nobel, Cultura e Travessa, os livros da chamada literatura marginal, periférica, divergente, do oprimido ou qualquer que seja o nome que queiram adjetivá-la, é literatura, feita por gente – igual a gente, sim – e que cresce a cada dia, não apenas na qualidade, nas letras impressas e nos saraus que pipocam mundo afora, mas cresce ao fazer crescer seres humanos.

Digo mais. Recentemente conversei com um escritor da chamada “literatura tradicional” e ele reclamou que no Brasil as pessoas lêem pouco. Não é o que comprovo em oficinas literárias das quais participo. Em zines que surgem em todo momento. Em escritores periféricos que editam seus próprios livros e batem recordes de vendas de mão em mão. E assim, desmistificamos a lenda e mais, ocupamos espaço nas vitrines e além delas.

Temos nossos exemplares em livrarias especializadas, sites especializados, lojinhas das quebradas e nas mochilas, onde é possível se praticar o “tráfico de conhecimento”. E já em 2012, além da volta das resenhas de literatura marginal aqui no Central Hip-Hop, comemoramos a boa notícia, que chegou nesta manhã do terceiro dia útil do ano.

O escritor e criador da Cooperifa, Sérgio Vaz concorre a duas categorias “Inclusão Cultural e Destaque Cultural” no Prêmio Governador do Estado, concedido pela Secretaria da Cultura do Estado de São Paulo, que premia vários segmentos culturais como artes visuais, cinema, circo, dança, inclusão cultural, música, teatro e destaque cultural. E assim seguimos, declamando e escrevendo a história das periferias brasileiras neste século XXI.

Abraços,



Jéssica Balbino

quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

PRÊMIO GOVERNADOR DO ESTADO 2011




Povo lindo, povo inteligente,


acabei de saber que fui indicado ao Prêmio Governador do Estado, concedido pela Secretaria da cultura do Estado de São Paulo, que vai premiar várias categorias do meio cultural: Artes visuais, Cinema, Circo, Dança, Inclusão Cultural, Música, Teatro e Destaque Cultural.

Se já não bastasse a boa notícia, ainda concorro a duas categorias "Inclusão Cultural e Destaque cultural", da hora, né?


Ainda tem o Emicida e o Jeferson De concorrendo a outras categorias.


A votação é popular e quem estiver afim de votar é só acessar: http://www.cultura.sp.gov.br/StaticFiles/PremioGovernador2011/index.htm


Ninguém faz nada pensando em prêmio, mas também não ficamos tristes com a notícia.


É isso. A luta não para.


Sergio Vaz



terça-feira, 3 de janeiro de 2012

UM SONHO





Um sonho
Ontem sonhei o teu sonho
Sonhei que os soldados
Cantando e dançando
Libertando-se de todo mal
Surgiam de todos os lugares
Para velar o funeral
De todo arsenal
Das ogivas nucleares.
No sonho
Os homens não eram escravos
Nem de si
Nem dos outros
Tampouco das cores
Pois o dinheiro
Havia sido morto no combate com o amor.
As crianças,
Cravo e canela,
Dançavam com as flores
Como não tinham fome
Caçavam estrelas
Quando cansadas
Tornavam-se nelas.
Sonhei
Que as mulheres e os homens
Não tinham coisas,
Mas sentimentos
E em sinal de alegria
Plantavam suas orações
Não de mãos espalmadas,
Mas de braços dados
Com o milagre do dia.
E Deus,
Todo pequeno gesto de amor,
Não freqüentava igrejas,
Livros ou estátuas.
Apenas corações,
Só corações.
Ontem sonhei o teu sonho
Sem saber que também
Era o meu.

Sergio Vaz


*do livro "Colecionador de pedras" global editora

A FINA FLOR DA MALANDRAGEM




A fina flor da malandragem – Sergio Vaz

Duzão é piloto, e o que da fuga à essa malandragem. Na madrugada, a bordo de um Mercedes, dirige certos por vias tortas.
Aninha já passou o ferro em várias madames, dizem por aí que pra mais de vinte.
Cabeção tem olhar de rapina e um iceberg no coração, quando entra no banco já vai direto no caixa.
Colorau não age na quebrada, gosta de fazer mansão.
Lu ganha a vida distribuindo suas ideias através de um pó branco comprimido, a molecada fica alucinada. Nada contra quem mexe, mas ela nunca meteu a mão no pó dos outros.
Vavá não pode ver carro parado que leva, se não der na chave leva nas costas.
Lourival mete o cano desde criança, o pai se virava no alicate, e nunca teve medo de cerca elétrica.
Como teve problemas de berço, Mariana pega o filho dos outros e devolve por uma quantia mínima.
Julião põe medo em muita gente, também pudera, já enterrou vários com uma pá na mão.
Salete limpou a casa de Sonia, quem deu a fita foi a Rose, que se bobear limpa até as casas dos parentes.
Marcio resgatou Sales da cadeia, e saiu do presídio pela porta da frente, ninguém fez nada.
Elizabeth quase não ri, é uma espécie de gerente da boca, na rua dizem que ela é a patroa.
Nego Jan vende tudo que pega: relógio, TV, DVD, Eletrodomésticos em geral, carro, moto, corrente de ouro, roupa de marca, e demais mercadorias. Sua lábia é mais afiada que lâmina de gigolô.
Cocão tem problemas com a injustiça e está no semiaberto, passa o dia na oficina e a noite dorme no 3º andar. Quando pode, Guida e preto Will, parceiros de caminhada, o visitam no domingo.
Luciana não tem medo de sangue, já ajudou a cortar vários desconhecidos, muitos cagam de medo de morrer na mão dela.
Casulo não tem medo de nada, já passou o revólver até no carro da polícia.
As pessoas acima são suspeitas de ter a coragem de trabalhar, e enfrentar o dia a dia com a dignidade que só o sofrimento ensina, e por mais simples que sejam, nunca se evadiram da responsabilidade de lutar.

A malandragem fica por conta de quem lê.

segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

AMAR É SOFRER...

AMAR DÓI AMAR


Cansei de ser amar
Quero ser amado.
Não quero estar no mapa
Quero ser encontrado.

Se o coração está seco
De nada adianta beijo molhado.
Grande coisa um belo olhar
Se você não é notado


Amar é sofrer
Ser amado... nem dói.

Que chorem pelos cantos
Deste mundo redondo,
Ou se quiserem que façam promessas
aos santos, ao papa, ao pastor,
e até a Deus se quiserem, que eu nem ligo.

Olhei demais pela janela
Agora só meu umbigo.

Também não quero romance de mentirinha
Tem quer ser de verdade
Assim como Romeu amou Julieta,
De tomar veneno e tudo.
mas já vou logo avisando:
veneno não tomo. Só cerveja.

Pois é, acordei com preguiça de amar
E disposição para ser amado.

Se alguém quiser, bem. Senão, bem também.

Quem me amar, que não me mande bilhetes,
Quero cartas chorosas
Cheirando suores indecentes.

Bom, já disse, amar não amo mais.
Nem percam tempo comigo
Que é andar para trás.

Quem me quiser
Tem que saber dar de comer, pois:
Quero estrelas no café
Bolinhos de fogo no almoço
E seios fartos no jantar.

Não vou levar ninguém no colo.
O máximo que posso fazer
É dar saliva na boquinha,
Pentear sobrancelhas e fazer cosquinhas na virilha.
De resto, ficar esperando pelo gozo
Sem ter trabalhado.

Sempre amei, nunca fui amado
Ser amado é melhor que amar?
Não sei.
Mas foi assim que me disse um poeta abandonado.

Sérgio Vaz

COOPERIFA ANO 11



BRASINHAS DO ESPAÇO

Brasinhas do espaço

Eram criaturas
De um planeta imaginário.
Herméticos neste mundo
Todos se chamavam Speed Racer,
E falavam uma língua estranha
Que os adultos não entendiam.
Vorazes,
Alimentavam-se de sonhos,
Liberdade, vento,
De K-suco e pão com mortadela.
Esses monstrinhos
Queriam dominar a terra.
Chegavam aos montes
Descendo ladeiras,
Pilotando naves exóticas
Feitas de tábua de compensado
E rodinhas de rolimã.
Não fosse o tempo
Teriam dominado o universo

Sérgio Vaz


*extraído do livro "Colecionador de pedras" Global Editora